segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Brasil - "Villa do Sol" - Visões Matinais

Abri a porta do quarto e fiquei encadeada com a luminosidade forte que enchia o jardim. Voltei a fecha-la instantaneamente, como se tivesse surpreendido um vendedor intrometido. Timidamente, voltei a espreitar. Coloquei a mão direita sobre os olhos, de modo a improvisar uma pala de penumbra para me adaptar à luz exterior. Olhei em redor. O jardim ainda estava molhado, como, aliás, é hábito após as violentas “pancadas de água” nocturnas. Pequenas poças, aqui e ali, por entre as pedras rudes. Plantas carnudas, gotejadas, rejuvenesciam o verde, tombando languidamente, sucumbidas pelo abraço sem pudor da chuva. Viçosas. Em sentido, flores arrebitadas sorriem descaradamente a um sol ditador que exige penitências até ao morrer do dia, num inferno abrasador. Atravesso o relvado. Dois ou três sapinhos, com ar de liliputianos atrevidos, mostram-me o caminho até ao palanque do café da manhã. Encostado ao balcão encontro Sebastião. Tião, como lhe chamamos, é o bugueiro de serviço na pousada. Tem uma silhueta magra, pele morena, mordida pelo sol, cabelos pretos ondulados e uns infindáveis olhos azuis, que se agitam intensamente como dois berlindes. Cumprimenta-me sempre com um sorriso: «Oi, hoje vai com ou sem emoção?» Retribuo-lhe, garantindo que vai sempre com emoção. Tião, tem o ar típico dos que têm fala mole e carácter ingénuo, deixando acentuar, em cada sorriso, rugas intensas que se desprendem dos olhos e da boca, lembrando enormes raios de sol numa cara luminosa. Sirvo-me de algumas frutas e sento-me tranquilamente no palanque a observar a azáfama entre as margens do rio. Uma dezena de pescadores apressam-se a conduzir bugueiros e turistas às suas jangadas oferecendo-lhes uma travessia para outra dimensão. A pousada fica localizada na foz do rio Ceará-Mirim, local de passagem entre a cidade do Natal e a zona arenosa, numa rota procurada por aqueles que pretendem experimentar uma das guloseimas dos sentidos por aqui oferecida: a emoção das dunas gigantescas. Ali, é quase um pecado não experimentar a adrenalina que os vulcões de areia proporcionam, criando grandes emoções internas e derretendo-nos o magma calcinado de um ano inteiro de trabalho. Entusiasmados pelo bugueiro sucumbimos à sugestão de desafiar as leis da gravidade, levando-nos a corrida até ao cume dos sentidos. Fazem-se luppings, curvas e descidas a pique que desafiam a estabilidade do corpo, criando a sensação que ganhamos asas para voar. E a emoção repete-se por uma hora ou mais, em subidas e descidas conduzidas pelo bugueiro encartado que conhece, como a palma da sua mão, todos os trilhos da emoção. Este ano, ao invés das emoções intensas, optei pela tranquilidade. Como grandes prioridades tomei a meu cargo saber se fará sol nesse dia, contemplar o vaivém das ondas, explorar aquele cantinho novo no areal, fotografar praias de coqueiros onde surgem cavalos brancos saídos do nada. Encantar-me com um colar de conchas. Usufruír de uma sombra amena com o meu livro de eleição. Pequenos nadas. Grandes emoções para desfrutar.
Fotogrs: CRV

3 comentários:

João Videira Santos disse...

Viver o Brasil próximo da ruralidade é descobrir um mundo de surpresas que encantam e fascinam...

(...e tantas vezes nos "obrigam" a voltar.)

Olga disse...

Dear TI. This is such a beautiful post. I especially love its final part. Here in India more than anywhere else I can't admire more local people - how they are happy with little things, living their lives smiling and being so much more positive than we are. Hugs from Karnataka!

Anónimo disse...

Esta Lindo!Bjs Tia
Peu