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Apenas 9 Km separam Tibau do Sul da Vila de Pipa. A viagem faz-se pela estrada que contorna as falésias, com dunas de areia branca de um lado e escarpas laranjas recortadas sobre praias desertas, do outro. Conduzo sem tempo, nem pressa, tirando partido do culto do mar e do sol, dos pequenos restaurantes escondidos nas praias e do por-do-sol ajustado às heteronomias da nossa disposição.
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Ao longo da estrada vou observando o parque das dunas.
Ao contrário da zona a norte do Natal, onde as dunas promovem o turismo dos buggies e dos desportos radicais das areias, aqui as montanhas de areia foram transformadas pelos ecologistas em àrea protegida, inacessível à presença dos veraneantes.
À tona deste oceano de areia, pairam sempre alguns abutres, solitários planadores das dunas, aproveitando as correntes ascendentes da falésia. Paro num miradouro e aproveito para fotografar as suas acrobacias sobre uma praia deserta. Parece que se deixam levar pelo vento, abandonados à sorte das rajadas e das correntes ascendentes, equilibrando-se nas longas asas pretas, enquanto esquadrinham todos os planos geométricos do solo na esperança de alguma revelação. Viro costa à enseada e consulto o meu Guia 4 Rodas que me dá mais à frente algumas sugestões de 3 e 4 estrelas, de acordo com o dialecto dos simbolistas. A estrada aqui é para degustar devagar, como quando não há pressa em decifrar os sinais do tempo ou quando um rio flui e se aloja no melhor dos silêncios da voz. É nestes momentos que nos vence o apetite voraz da liberdade e da cumplicidade com o que nos rodeia, explorando os espaços envolventes como se de uma aventura única se tratasse, com os braços cortando o vento, acariciando o teorema complexo de tudo o que nasceu para se transformar em beleza. Há locais no mundo com os quais sentimos uma estranha afinidade. Não precisam de ser monumentais, nem plenos de cultura, nem feitos pela mão do homem. Podem ser ermos solitários com os quais tecemos, ao longo do tempo, uma estranha lealdade. Solos únicos, adaptados às nossas sensações primárias, que são fumo a partir do qual crescemos radiando como os pontos cardeais na direcção de todos os desafios. Conduzir com as mãos contra o vento dá-nos sempre a sensação transcendente de conquistar obstáculos, vencer marcos geométricos, superar todos os locais carregados de estranhas profecias, partindo do exílio para as grandes epopeias de dentro.
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Reserva Ecológica de Pipa |
A estrada. Páro num dos locais com estrelas, com a sensação de poder desfrutar de um bocado do céu na terra. Entro num dos santuários do silêncio. Rodeada de árvores de troncos brancos e esguios, caminho por entre cajueiros, muricis, bromélias, begónias, orquídeas, cipós, saguins e pássaros exóticos que insisto em fotografar como se lhes apanhasse alguma area do canto ou a sua imagem contivesse alguma profecia messiânica proveniente dos ventos de boa vontade. A Reserva Ecológica tem 120 hectares preservados num labirinto escondido, por dentro da alma da falésia, com caminhos de areia branca e uma humidade tropical que nos faz querer correr para o mar, expurgando o calor abrasador que se cola ao corpo e que nos faz arrastar o andar. Serpenteando a falésia, os caminhos ganham nomes de outros tempos, quando os piratas procuravam as águas tranquilas destas paragens e o Mirante das Tartarugas partia da ponta do Madeiro até à Baía dos Golfinhos levantando o pano da folhagem, abrindo-se numa janela luminosa sobre o mar.
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