O fascínio pelo interior do Brasil fez-me desviar da costa atlântica e explorar os primeiros quilómetros daquela que é considerada uma das maiores vias do país. A Transamazônica, tem tudo aquilo que a sugestão de um espaço largo, e a aventura pelo interior desconhecido, podem trazer ao viajante disposto a arriscar, entre as travessias de asfalto e os caminhos todo-o-terreno. Nesse mundo denso, feito de troços arenosos, pântanos e regiões alagadas, pelas chuvas de Maio a Julho, há toda uma região por descobrir, que desafia os mais destemidos que não receiam ficar encalhados nas regiões entre o Piauí e o Pará, onde o trajecto é rasgado por entre o mato denso, em estradas sinuosas, apenas aconselhável aos veículos preparados para todo-o-terreno. Com quase 5.000 km, a BR 230 parte do Cabedelo em direcção às florestas do Amazonas, cortando transversalmente o país, naquilo que foi, inicialmente,um projecto faraónico para ligar a costa este e oeste do continente sul americano, entre o Brasil, o Perú e o Equador. O projecto com 8.000 km nunca chegou a ser concretizado para além do Amazonas. O meu destino é Campina Grande. Um município, fundado no século 17, no tempo em que o Brasil era um dos maiores produtores mundiais de algodão e as suas exportações abasteciam o mercado colonial europeu.
A sugestão, do início da aventura amazónica, lançou-me nuns modestos 150km desta auto-estrada, com características europeias, que esconde no percurso alguns atalhos arqueológicos, localizados no Planalto do Borborema. No horizonte, só muito espaçadamente se desenham casas, árvores ou pequenos lugarejos. A paisagem característica é feita de giestas amarelecidas, da altura de um homem, cortada por penedos rochosos ou pequenas protuberâncias que fazem lembrar as ondulações que cruzam os percursos da vida. A certa altura, surgida do nada, pequenas vendas, de fruta e artesanato sertanejo, ao longo da estrada. Bonecas de barro, disformes, de cores garridas, com olhos em bico, lábios grossos e vestidos longos e floridos, que evocam uma época passada, quando as mocinhas se arranjavam aos Domingos para impressionar os jovens sertanejos. Saio do carro, para desentorpecer as pernas e sentir o sol quente do interior, que queima pela hora do meio-dia. A venda tem o sucesso dos locais de paragem no deserto. Compro algumas frutas para a viagem e sigo em direcção a um local onde dizem que as pedras falam. Património da Humanidade, o local da Pedra do Ingá conta a história das estrelas tatuadas nas rochas. No caminho, paro para obter informações junto de um sertanejo que tinha o perfeccionismo próprio da sua arte simples. Sorriso largo, envergonhado pelo vento que lhe redomoinhava no local em que lhe faltavam os dentes, penas de águia no chapéu, para dar sorte nos altos voos, lenço encarnado ao pescoço, para lidar melhor com o gado, colete laranja e calças pretas, desajeitadas, presas com um cordel atamancado. No todo, configurava uma visão auspiciosa para o meu destino. Mais interessada na personagem, no que ela me ia dizendo, sorri e atrevidamente roubei-lhe, entre uma palavra e um suspiro, uma fotografia que ficou presa naquele artifício, entre os rasgos fugazes que se alojam na memória e a doce melancolia que convola certos homens em personagens de arquipélagos fictícios. Fotogr: CRV
Sem comentários:
Enviar um comentário