quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Brasil - Pipa - A Praia de Minas

Pipa - Praia de Minas

Para lá de Pipa, rumo ao sul, depois das praias do Moleque e do Amor, onde os surfistas navegam nas montanhas de espuma, chegamos à praia de Minas. O acesso faz-se por uma estrada improvisada, misto de areia seca e terra encarnada, onde o vento revolve tudo e os remoinhos de areia imitam pequenos tornados que dançam sobre as escarpas da praia. Aqui, não sei se é da costa desprotegida ou da falta de pontões de abrigo, o que é certo é que o mar passou dos tons de azul turquesa para os cinzentos agitados, com ondas de espuma rasteira e segredos bem guardados.

O areal é extenso, selvagem. À beira-mar as canas solitárias, os limos verdes e as algas encarnadas, tatuam na areia o contorno do vai-vem das ondas consoante as marés que crescem sobre a praia. Por todo o lado as dunas, com o aspecto dos desertos selvagens, com tufos de ervas robustas nas dobras húmidas da areia, dando um ar de savana rasteira à praia. Este, é daqueles locais onde a paisagem cresce em liberdade, longe da intervenção do homem, reforçando a ideia das vantagens da preservação da costa. Saio do carro e aproximo-me de um cartaz gasto pelo sol. A área protegida tem o apoio governamental, justificada por razões de preservação das várias espécies que elegeram o local para procriar ou nidificar. Agrada-me a ideia! Nas dunas, por entre as ervas, algumas estacas brancas de madeira sugerem-me epitáfios pobres. Daqueles que foram equívocos na vida. Longe de tudo. Silenciados no arco do tempo. Desprovidos de futuro. 
No topo, algumas inscrições esborratadas a azul. Datas e números ressequidos. Vários. Sem nexo. Ao acaso. Por perto, a explicação das estacas. Ao contrário da imagem do fim, marcam os felizes segredos do areal. A 1m de profundidade, escondem-se ninhos de tartarugas, Cabeçudas e de Pente, que escolhem estas praias desertas para nidificar. Ameaçadas, encontraram refúgio nestas paragens, que se encontram, desde os anos 80, integradas no projecto TAMAR.
Com apoio governamental, e subsidiado pela poderosa Petrobraz, o projecto TAMAR acompanha, desde há 30 anos, os locais privilegiados de reprodução de 5 espécies de tartarugas ameaçadas nas costas do Brasil. A Cabeçuda, de Pente, a Verde, a Oliva, e a de Couro, são avistadas frequentemente nas épocas de postura, sendo a tartaruga de Pente a mais frequente nas praias de Pipa. 
O projecto Tamar surgiu nos anos 70 quando um grupo de estudantes de Oceanografia viajou para o Atol das Rocas, 240 quilómetros a Norte e, durante um passeio à noite pela praia, presenciou uma cena grotesca: doze tartarugas fêmeas, que se encontravam a escavar os seus ninhos, tinham sido viradas ao contrário, enquanto um pescador as degolava. 
A cena macabra foi fotografada e muito embora já as espécies estivessem ameaçadas, só nos anos 80 se lançaram os primeiros projectos de protecção à fauna marinha com a construção do projecto "Tartaruga Marinha", abreviadamente conhecido por TAMAR. Dos 100 km de costa, inicialmente patrulhados apenas por voluntários colocados em praias estrategicas, evoluiu-se para os apoios governamentais e internacionais, alargando-se o raio de acção para os 600 km de costa com maior proliferação de ninhos. Por ano, nas praias do nordeste, eclodem cerca de 1 milhão de jovens tartarugas, contabilizando o projecto, desde o seu inicio, cerca de 15 milhões de juvenis libertados no mar. As estimativas prevêem que em cada 100, apenas 2 ou 3 tartarugas consigam completar o ciclo, de 15 a 30 anos, até atingir a maturidade, mas o futuro é promissor com a alteração da classificação das espécies, de "perigo de extinção" para "ameaçadas".
Em Pipa, a temporada reprodutiva ocorre de Outubro a Maio, período influenciado directamente pela temperatura ambiente, com largadas nas praias e grande agitação no turismo das povoações locais. Os pescadores já compreenderam que o potencial económico do turismo das tartarugas excede qualquer benefício que pudessem retirar da sua pesca artesanal. Por isso mesmo, de caçadores passaram a protectores dos segredos do areal, guardando os ninhos e revezando-se em vigílias intermináveis.
Contemporâneas dos dinossauros, as tartarugas marinhas existem há mais de 150 milhões de anos. Evoluíram do ambiente terrestre para o aquático, adaptando a sua capacidade respiratória e os batimentos cardíacos às descidas em profundidade. Fundamentais na difusão dos ideais conservacionistas, a protecção dos seus habitats tem tido o complemento desejável do despertar de uma consciência ecológica e a sustentabilidade das espécies a longo prazo.
Deixo a praia em repouso. As estacas intactas. E os ninhos que fervilham de vida, escondidos por baixo de um areal virgem. Tranquilo. 

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