Baía da Traição - Praia do Forte © CRV |
Sentada no cimo da colina, no que resta do antigo Forte armado com 3 canhões ferrugentos que estoicamente ainda observam os movimentos da Baía, acompanho o tranquilo vai-vem das ondas, numa praia que foi palco da história, terra de índios e de conquistadores, marinheiros e escravos, colonos e fazendeiros.
Rumamos a sul por um dia. Regressamos ao Paraíba para percorrer os 100 Km de costa deserta que acompanha a reserva nacional dos índios Potiguaras.
Baía da Traição - Forte |
No ano de 1501 Américo Vespúcio aportou aqui. Conta a lenda que os indígenas foram surpreendidos com o desembarque de homens estranhos, seduzidos com oferendas, espantados com as diferenças. Receptivos aos estrangeiros, acolheram no acampamento os emissários. Partilharam alimentos, o artesanato, as danças locais. Por isso os portugueses regressaram. Na tarde de 17 de Agosto de 1501, quando Vespúcio lançou novamente âncora estava confiante nas suas boas relações com os indígenas. O envio de um pequeno bote, com um séquito de três marinheiros, destinava-se a abrir caminho à comitiva que se preparava para desembarcar. Mas as notícias da chegada dos portugueses, mais a sul, tinham trazido até à povoação histórias de crime, subjugação e destruição, pelo que a recepção foi diferente. Quando os 3 portugueses desembarcaram, foram violentamente atacados, presos, mortos e canibalizados, perante a perplexidade dos portugueses, que assistiram a tudo da caravela ancorada ao largo. Do incidente surgiu o nome que ainda hoje se mantém.
A Baía da Traição e o Rio Tinto, no litoral setentrional do Paraíba, constituem os únicos territórios onde habitam descendentes dos mesmos índios que ocupavam estas terras, muito antes de 1500. Habitavam o Nordeste, aproximadamente entre as actuais cidades de João Pessoa, no Paraíba, e a cidade a norte de São Luís do Maranhão. Por essa altura eram mais de 100 mil. Hoje, são pouco mais de 13 mil.
A Baía da Traição tem as características de uma pequena povoação do nordeste. As casas são baixas, geralmente de andar térreo, pintadas em tons de branco e amarelo ocre com portadas coloridas. O povo aqui não preenche as ruas. Desertas, o único movimento que descobri vinha de um pequeno café no largo principal cujos vidros estavam decorados com cartazes amarelecidos pelo sol que anunciavam gelados e outros produtos já indecifráveis. Lá dentro, o mobiliário de madeira, numa versão de western brasileiro sem qualidade e gasto. Meia dúzia de mesas pequenas, com jarros de água duvidosa, cartazes velhos nas paredes e uma sensação de sujidade acumulada, confirmada não só pelo balcão gorduroso e carcomido como pelo tom enegrecido das paredes. O mundo tinha desistido há muito tempo de girar por ali.
- A reserva índia? perguntei.
- Lá! Ao fim da estrada! Tem uma cancela. Tem de pedir para passar mas atenção que são pouco amistosos e não gostam de reportagens.
Guardei a máquina e conduzi até encontrar uma cancela branca, pintada com riscas obliquas encarnadas, como nas passagens de nível de comboio. Um guarda incógnito, sem farda, nem com qualquer curiosidade em identificar-nos, levantou lentamente a cancela fazendo-nos entrar no território dos Potiguaras, os descendentes dos que massacraram os três portugueses de outrora.
(continua)
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